Antes de ler este texto, quero
que você me faça uma promessa. Preste atenção, porque para mim é algo bem simples,
mas, para você, talvez não seja. Toda vez que alguém fica sabendo que eu sou
daltônico, sempre repete os questionamentos feitos por trilhões de pessoas. Então,
encarecidamente, eu peço para que não me pergunte coisas do tipo: “que cor é
essa? E aquela?” (apontando para diversos objetos) ou “como você consegue dirigir?”... vou explicar tudo aqui,
belê?
Ser daltônico já é algo normal,
para mim. Não é nada que tire meu encanto pela vida ou me faça entrar em
depressão. Não ver algumas cores ou confundir tantas outras, de uns anos para
cá, tem até sido motivo de muitas gargalhadas. Mas nem sempre foi assim...
Quando eu era um menino, e nada
mais que um menino, eu sofria bastante por não saber diferenciar as cores. Acho
que a primeira a perceber que eu era daltônico foi minha mãe. No começo, quando meus pais viam meus desenhos, eles achavam que eu gostava muito de vermelho e marrom, porque tudo era nessas cores: casas, pessoas e bichos. De vez em quando apareciam umas nuvens roxas, também. Mesmo assim,
tenho certeza que eles sempre ficaram felizes em receber as minhas obras de arte.
As lembranças mais ingratas que
eu tenho são das aulas de geografia. Não sei o porquê de a gente ter que colorir
tantos mapas. Quando chegava essa hora, sempre me dava uma dor de barriga.
- Pintem a Europa de vermelho – dizia a professora.
- Hei, depois que você usar, empresta o vermelho? – eu pedia para meu colega de turma.
- Eu tenho dois, pode pegar aqui – respondia, me indicando seu estojo repleto de lápis de cor.
- Humm... tá bem – falava sem saber o que fazer. Não custava nada ele pegava o vermelho e me dar, né? Mas não, eu era obrigado a localizar o bendito lápis entre tantos.
- Haha. Você é doido, por que não pegou o vermelho? A professora vai brigar com você se ver que pintou de marrom.
- Sabe como é, não gosto de seguir as regras... – respondia me cagando de medo.
Depois de seguidos episódios como
esse, meus lápis começaram a receber as iniciais das cores, para ver se eu
conseguia ‘seguir as regras’.
O engraçado é que lido diariamente com as cores. Seja no meu emprego, ou em bicos por aí, criando artes ou diagramando jornais e livros. Em vez de correr do problema, justamente vou ao centro dele. :/
O engraçado é que lido diariamente com as cores. Seja no meu emprego, ou em bicos por aí, criando artes ou diagramando jornais e livros. Em vez de correr do problema, justamente vou ao centro dele. :/
O maior questionamento de todo mundo
é: como você consegue dirigir?
Bom, passei anos desenvolvendo
uma técnica para que eu pudesse dirigir sem que matasse ou morresse no trânsito.
O primeiro passo é óbvio: decorar a posição das cores. Isso é muito prático, no entanto se
limita apenas durante o dia. Se for horizontal, às vezes os semaforístas (não sei se essa palavra existe, mas a usei no sentido de 'os caras que instalam os semáforos') não seguem o mesmo padrão e bagunçam a minha vida. À noite, em certos pontos onde a iluminação
pública não é tão boa, você vê apenas a luz acesa, mas não consegue saber em
que posição ela está. Às vezes consigo identificar a cor, mas quando isso
não acontece, faço uma rápida análise do cenário e observo a movimentação dos
outros veículos. Se tem carro à minha frente, faço o que ele faz. Se tem carro
atrás, dou uma segurada até ver a reação dele. Se na minha mão não tem carro
nem à frente, nem atrás, olho para as outras.
Para jogar videogame, preciso de algumas artimanhas.
Quando é possível selecionar a cor de mira em jogos de ação, os daltônicos
agradecem. Quando não, é preciso dar um jeito. A melhor solução encontrada (até agora) foi por
um pingo de pasta de dente no centro da tela. Assim não tem como errar!
Mais recentemente meu irmão descobriu porque não achávamos tanta graça nos arcos-íris, enquanto todo mundo fazia o maior auê quando algum surgia. Para nós, as sete cores eram que nem o pote de ouro: só ilusão. Nós não as víamos. Quer dizer, nós não as vemos. No máximo, e, olha lá, com muita sorte, enxergamos umas três... mas, tá tudo bem.
Já escrevi, outras vezes, sobre daltonismo. Se quiser, pode conferir.
SER DALTÔNICO NÃO É COISA DE OUTRO MUNDO. DEVEM TER MILHARES PELO MUNDO. E VOCÊ ENTRE TODOS, COM CERTEZA FAZ A DIFERENÇA.
ResponderExcluirDescobri recentemente que dois de meus alunos são daltônicos, um do 3 ano e outro do 4 ano, após observa-los nas atividades e conversar com eles, cheguei a essa conclusão. Nem os pais, nem os demais professores, nem mesmo eles sabiam que tinham essa dificuldade em reconhecer cores. Parabéns pelo texto Joab, gostoso de ler... Simples, divertido, direto e informativo :)
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